Relicário

"Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre." LISPECTOR, Clarice. "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres".

domingo, setembro 24, 2006

Qual o medo do homem?
Acaso algum dia perderá o que nunca possuiu?
Ou, ainda, o quê levará consigo na sua morte?
Quando a liberdade chegar, o homem entenderá que não há nada em suas mãos, mas tudo em seu coração.
E das felicidades da vida não desejo nada, desejo a dificuldade, desejo os dias frios.
Desejo batalhar pelo emprego, pelos amigos, pelos amores.
E agradeço todos os dias pela capacidade humana de transmutação... só assim transformo minha raiva num amor melhor...
... Assim me preparo na espera daquele que virá...
Eu desejo a compaixão pelos que erram... pois são esses que me dão forças para levantar cedo, na esperança de encontrá-los e oferecer minhas mãos.
Desejo guardar meu corpo para a chegada daquele que acompanhará os meus dias... e ainda que não seja numa mesma história, se cumprirmos a meta de viver o caminho do coração, seremos plenos e saberemos da verdade.
Não desejo ameaçar meus irmãos na minha busca.
Desejo liberdade a todas as almas... ainda mais àquela que espero, para que volte com experiência e vontade do nosso compromisso.

Ruhama
(agora leão)

sábado, setembro 09, 2006

Relicário [por Nando Reis*]

"é uma índia com colar
a tarde linda que não quer se pôr
dançam as ilhas sobre o mar
sua cartilha tem o a de que cor?
o que está acontecendo?
o mundo está ao contrário e ninguém reparou
o que está acontecendo?
eu estava em paz quando você chegou

e são dois cílios em pleno ar
atrás do filho vem o pai e o avô
como um gatilho sem disparar
você invade mais um lugar
onde eu não vou
o que você está fazendo?
milhões de vasos sem nenhuma flor
o que você está fazendo?
um relicário imenso deste amor

corre a lua, por que longe vai?
sobe o dia tão vertical
o horizonte anuncia com seu vitral
que eu trocaria a eternidade por essa noite
por que está amanhecendo?
peço o contrário, ver o sol se pôr
por que está amanhecendo?
se não vou beijar seus lábios quando você se for?

quem nesse mundo faz o que há durar
pura semente dura o futuro amor
eu sou a chuva pra você secar
pelo zunido das suas asas você me falou
o que você está dizendo?
milhões de frases sem nenhuma cor
o que você está dizendo ?
um relicário imenso desse amor

o que você está dizendo?
o que você está fazendo?
por que que está fazendo assim?"

*transcrição da letra na íntegra, obrigatória para este espaço, dado seu título.
afinal, se a definição do Houaiss teve direito a ser o primeiro post,
a do Nando é tão ou mais imprescindível! :)

quinta-feira, setembro 07, 2006

sobre transformar vermelho em azul


Caminha entre brumas. Os olhos nublam-se pelo pouco ar que circula em si, rarefeito e gélido.
Suas vias e veias reivindicam vida. Silencia e procura se concentrar no azul, celeste, cerúleo.
Aos poucos recupera o controle sobre seus movimentos, alguns de seus pensamentos. Repensa seu intento.
Intui quem é, conhece a vereda pela qual deve caminhar para alcançar sua plenitude. Quantos são os que não sabem o que procuram e não reconhecem o que encontram? Sabe que deve evitar novos laços – os nós para desatar são suficientes para manter seus pés nesta terra por vezes sem conta – mas seu coração não consegue ignorar a compaixão. Como orientá-los sem se envolver, lembrá-los de que deuses fomos e nos esquecemos?
Será que é daí que brota a angústia que oprime seu peito? Talvez também.
Ousar, querer, saber, calar. Mais que um privilégio, uma responsabilidade.
A primeira derivada da verde luz denuncia a idade de sua alma e a resistência de sua mente ao dinamismo do vermelho fogo. Não é ele quem anima seu coração, que pulsa em expansão espiral para abarcar aos com quem se defronta e identifica. Não receia viver a emoção: o trabalho é sublimá-la. Sublimada, não faz esmorecer; pelo contrário, firma. Firmamento. Azul índigo.
Seus passou a aproximam do ponto de ônibus. Ao passar em frente à banca de discos usados, sorri ao ouvir a voz de Raulzito: “os problemas se misturam, a verdade do universo e a prestação que vai vencer” (
em eco às suas recentes reflexões, questionamentos existenciais!). Cumprimenta com um aceno o vendedor, que conhece desde a adolescência, quando suas moedas só podiam pagar por vinis e compactos de segunda mão.
A névoa ainda não se dissipou, mas já se sente mais disposta. Refletir a revigorou, e a música a animou. Estados de alma.
Segue seu rumo confiante.